Jornal “Diário de Notícias”, 28 de Julho de 2007
O trabalho é meticuloso e demorado. Recolher as plantas, transportá-las, atar os caules com ráfia, dando um nó para ficarem presos à grade, que depois é mergulhada na água. A mão humana, empenhada em reconstruir o que em tempos degradou, acaba aqui. Agora a natureza encarregar-se-á de fazer renascer a pradaria que há décadas povoou o fundo do mar no Portinho da Arrábida, em Sesimbra. O projecto Biomares, o primeiro do género no País, consiste nisto mesmo: replantar o fundo do mar.
Com a chegada das plantas, desaparecerá o "deserto" de vida que actualmente resta na zona, depois da pesca de arrasto da ganchorra, das correntes das embarcações que rapam o chão terem revolvido e devastado o fundo. Se a replantação funcionar, haverá uma explosão de biodiversidade, pois as plantas darão lugar a uma espécie de floresta submersa, explica Elsa Serrão, investigadora da Universidade do Algarve.
E à zona do Portinho poderão regressar espécies de interesse comercial como a raia ou o choco, mas também as de grande valor de conservação como o cavalo marinho, adianta Miguel Henriques, do Parque Natural da Arrábida. A pradaria funciona como uma maternidade, onde as espécies se abrigam dos predadores. Além disso, a existência de um tapete no fundo do mar ajuda a reter os sedimentos e a combater a erosão.
Foi pela mão do Secretário de Estado do Ambiente que ontem se deu mais um passo na recuperação deste habitat. De fato de mergulho, máscara e garrafa, Humberto Rosa fez questão de descer ao fundo do mar e colocar as estacas que suportam as grades com as plantas. Um momento de grande emoção, como o próprio confessou, pois foi naquelas frias águas que nos anos 80, ainda estudante de biologia e com o curso de mergulho acabado de tirar, mergulhou com Luís Saldanha, o célebre ocenógrafo e biólogo de quem foi aluno e cujo nome se aplica agora ao recente parque marinho.
A relação entre o parque, cujas restrições tanta polémica têm gerado, e este projecto foram sublinhadas pelo governante. "Sem ele não haveria este projecto", afirmou, pois seriam mantidas as ameaças à sobrevivência das espécies. Humberto Rosa mostrou-se ainda satisfeito com o que ouviu dos mergulhadores: dois anos após a criação do parque, já há diferenças na afluência de espécies.
Mas não é só na Arrábida que as pradarias estão em declínio. Nos estuários do Tejo, do Sado, no Mira e no Mondego praticamente desapareceram. Só subsistem na Ria Formosa. A protecção das zonas marinhas através de parques é, por isso, uma opção a desenvolver. Humberto Rosa lembrou que já há áreas protegidas com extensões marinhas, mas que ainda não possuem regulação, caso do Litoral de Esposende, Sudoeste Alentejano ou Berlengas.
Rita Carvalho
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