quinta-feira

O queijo de Anjo que ganha o mundo

Jornal “Diário de Notícias”, de 30 de Maio de 2008

Quando há 16 anos os irmãos Simões decidiriam investir algumas economias numa pequena queijaria na Quinta do Anjo (Palmela) estavam longe de imaginar que um dia os seus queijos iriam percorrer todo o País e cruzar fronteiras, rumo a lojas gourmet de Nova Iorque, Boston, Filadélfia ou Washington e a países como Luxemburgo, Angola, Canadá, Grã--Bretanha, Suíça e Holanda. "Isto era para a minha mulher e a minha cunhada terem o seu trabalho, mas já viu o que crescemos? Não é brincadeira, e olhe que são dos queijos mais caros do mundo", alerta orgulhoso o empresário Rui Simões.
Há alguns anos que este antigo serralheiro e o irmão eram donos de um rebanho de 200 ovelhas, mas limitavam-se a arrendar leite para a confecção de queijo. Até ao dia em que decidiram deitar mãos à obra e avançar para o seu próprio negócio. As mulheres não tinham emprego e talvez a queijaria Fernando & Simões, de produção artesanal, viesse a ser uma oportunidade para ambas. E foi.
Recorreram a um antigo queijeiro que durante meses lhes ensinou os segredos mais bem guardados do célebre queijo de Azeitão. Com uma produção diária de 50 litros de leite, provenientes das suas próprias ovelhas, começaram a confeccionar os primeiros exemplares. De pasta amarela e amanteigada, onde a flor do cardo "empresta" a enzima vegetal que faz coagular o leite. "Tirávamos entre 20 a 25 queijos por dia, que vendíamos à porta de casa", recorda Rui Simões, congratulando-se com a decisão de ter estabelecido uma parceria com a empresa Coalho, que assumiu a comercialização do produto.
Já lá vão dez anos que o negócio da vida se concretizou, sendo que o crescimento da firma se perfilou imparável. Hoje, a Fernando & Simões tem 800 ovelhas que chegam a dar dois mil litros de leite por dia, nos meses de maior produção, permitindo nesse período um fabrico diário de 1500 queijos achatados de 220 gramas, à ordem de quatro euros cada um.
"Mas isso é se for comprado aqui, na minha casa, porque aí fora vendem-nos a mais do dobro. Eu não posso fazer nada. Há dias fui a um restaurante, que é meu cliente, e os queijos que foram aqui comprados a menos de quatro euros, por ser para revenda, estavam a 12 euros na ementa. Tenho de me calar, é o negócio", admite,resignado, antes de partilhar o seu dia-a--dia na empresa onde são produzidos mais de metade dos célebres queijos de Azeitão certificados, que rendem uma facturação anual próxima do milhão de euros.
"É preciso ter paixão por isto. Entro aqui às 3.00 e nunca saio antes das 19.00. Até aos domingos tenho que vir voltar os queijos. É a única forma de manter a qualidade. De outra maneira não havia hipótese", revela, admitindo que já não se imagina "fora deste ambiente", onde tudo é branco, das paredes, às batas, até às botas, num cenário dominado pelo intenso cheiro a coalhada, que por momentos se entranha na própria roupa.
Em breve haverá mais trabalho na calha. É que a Fernando & Simões começou há uma semana a investir na produção de requeijão e tem já prevista, para Junho, o alargamento da actividade ao queijo fresco. Não vai haver lugar ao aumento dos actuais 12 postos de trabalho, mas será um passo para tentar manter os empregos na casa.
"Está tudo muito difícil e a toda hora fecham empresas. O queijo não é um artigo de primeira necessidade, pelo que queremos apresentar alternativas ao consumidor. Depois, o queijo de Azeitão estagnou e não está a responder ao poder de compra. Não podemos cruzar os braços", avisa.
Porque as vendas "já tiveram melhores dias", assume, a empresa da Quinta do Anjo mantém o mercado espanhol sob a mira, havendo já contactos com uma empresa de Madrid. Mas, por enquanto, as negociações estão mergulhadas num impasse.

Roberto Dores



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