sexta-feira

ONU quer pôr o Mundo a descascar batatas

Jornal “Diário de Notícias”, de 11 de Junho de 2008

Com uma história de mais de oito mil anos, as batatas foram consideradas na Europa alimento de pobres e até de animais, mas hoje a sua versatilidade culinária, riqueza nutricional e facilidade de cultivo tornaram-na obrigatória em todas as mesas. Com milhares de variedades a explorar, em tempo de crise mundial de cereais, as Nações Unidas e outras organizações querem maior atenção ao seu cultivo e utilização.
Bacalhau com batatas. Ou sardinhas e outros peixes frescos. Ou cabrito, borrego ou carne de porco. Ou como base de sopas. São tantos os pratos tradicionais portugueses que levam batatas que nos esquecemos que a "tradição" de a utilizar como acompanhamento, em termos históricos, é muito recente entre nós, datando do século XIX. É que a batata é originária da América do Sul, mais precisamente dos Andes, e só no século XVI os colonizadores espanhóis a trouxeram para a Europa, onde demoraria mais três séculos até se generalizar nas mesas. Agora, em plena crise mundial dos cereais, é para este tubérculo que os olhos do mundo se voltam, tendo a ONU declarado 2008 como Ano Internacional da Batata.
A produção de batata tem vindo a crescer em todo o mundo, graças sobretudo aos países em desenvolvimento da Ásia, África e América do Sul que quase dobraram essa produção desde 1991. A título de exemplo, Angola, desde que a guerra terminou, aumentou a produção em 1200%... Mas é a China que tem sido a maior responsável pelo aumento, sendo hoje o maior produtor mundial (seguida pela Rússia e pela Índia), o que pode parecer estranho, já que os pratos chineses que conhecemos nunca integram batatas. A razão será a de que exportam quase tudo.
O chefe de cozinha Luís Baena, actualmente nos hotéis Tivoli, trabalhou vários anos no Oriente, incluindo em Hong Kong e Macau, e conta que quando ia aos mercados do antigo território administrado por Portugal os chineses recebiam-no com a palavra "batata", uma das poucas que pronunciavam na nossa língua, sabendo já que esse era um dos produtos que tinha clientela certa entre os portugueses.
Aliás, além de ser uma excelente e barata fonte de nutrientes (uma batata de tamanho médio fornece, por exemplo, metade das necessidades diárias de vitamina C de um adulto e um quinto das de potássio), o tubérculo é conhecido entre os cozinheiros amadores e profissionais pela sua enorme versatilidade. Ou seja, além de alimentar, as batatas prestam-se a inúmeras preparações, associando-se com facilidade a outro sem número de ingredientes e temperos, sendo portanto uma boa inimiga da monotonia à mesa.
Em Portugal, as batatas apresentam-se das mais diversas formas culinárias, sendo que produzimos em 2006 (segundo dados do INE), 611 mil toneladas, para um consumo anual que ronda os cem quilos per capita. Ou seja, temos que recorrer à importação, sendo a França e a Espanha os principais fornecedores. Mas também exportamos, sendo o Reino Unido e a França os principais compradores. Em termos de distribuição territorial, a Beira Litoral é que mais produz (32% do total), seguindo-se Ribatejo e Oeste (23%) e Trás-os-Montes (21%). A qualidade das batatas transmontanas é bem conhecida (nomeadamente as de Chaves), tendo direito inclusive a Indicação Geográfica Protegida (IGP).
Mas isso não garante que, na hora de comprar, os portugueses se mostrem lá muito exigentes. "A maioria dos clientes só se preocupa com as cores da casca, se é vermelha, branca ou amarela", afirma Maria José Macedo, que há mais de 20 anos se estabeleceu na Quinta do Poial, em Azeitão, uma das pioneiras no cultivo biológico. Mesmo assim, ela considera que tem havido um aumento crescente do interesse por batatas diferentes, graças em parte ao crescimento do consumo gourmet, e tem vindo a plantar novas qualidades.
Luís Baena confirma que, mesmo para os profissionais, a informação sobre a origem e as diversas qualidades de batata é ainda bastante escassa em Portugal. "Normalmente, há as mesmas indicações que constam em algumas embalagens de supermercado, do género 'se são para fritar, cozer ou assar', mas ainda estamos muito limitados. Não tiramos partido da grande versatilidade que as batatas apresentam".
Pode ser que, a partir deste Ano Internacional da Batata e da escassez de outros "acompanhamentos", as coisas mudem, também aqui.


Duarte Calvão

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