Jornal "Diário de Notícias", 12 de Abril de 2007
Vizinhos do mais badalado restaurante português da actualidade, a Quinta dos Catralvos, em Azeitão, os responsáveis da Bacalhôa Vinhos (ex-JP Vinhos) tiveram a excelente ideia de convidar o chefe Luís Baena para preparar o almoço em que apresentaram à comunicação social um vinho que assinala a estreia nos brancos da sua marca mais emblemática, Quinta da Bacalhôa, criada há 25 anos. E também das novas colheitas de espumante Loridos Clássico 2004 e do tinto Quinta da Bacalhôa do mesmo ano. Para acabar, um espectacular Moscatel de Setúbal Superior 20 Anos.
O almoço decorreu no belíssimo Palácio da Bacalhôa, que a empresa tem vindo a recuperar e quer transformar cada vez mais na sua imagem de marca, com a presença do dono José Berardo, do administrador Jorge Paiva Raposo e dos enólogos Filipa Tomás da Costa e Vasco Penha Garcia (responsável pelo Loridos). Todos admiradores exaltados da arte do vizinho Luís Baena.
E este não desmereceu a confiança depositada, embora a entrada tivesse sofrido um descompasso, próprio de quem está a trabalhar em cozinha alheia. É que puseram na mesa espargos com caviar de salmão, um involtini de magret de pato (até aqui tudo bem), mas também uma inexplicavelmente seca focaccia com uma fatia de cogumelo grelhado. Só quando alguns dos comensais já tinham despachado o que havia no prato é que chegou o fricassé de cogumelos silvestres e túberas que compensou a secura da focaccia. Apesar de tudo, o Loridos, que acompanhava o prato, moderou o percalço.
Mas a partir daqui foi tudo bem, com o humor ao serviço da cozinha e dos sabores. Veio um waffle de vieiras com trufas e espuma de ouriços-do--mar, que tinha a particularidade de ter os mariscos numa espetada em que o espeto era um fino pincel e o prato lembrava uma paleta de pintor.
Foi a primeira vez que se provou o branco Quinta da Bacalhôa 2006, obtido a partir de sémillon (50%), alvarinho (25%) e sauvignon blanc (25%), castas que a empresa plantou na região em 2003, com 30% do mosto a fermentar em madeira. O vinho estagiou seis meses em barricas novas de carvalho francês. Cada uma das oito mil garrafas deverá custar mais de 20 euros, num preço comparável ao do seu irmão tinto. Vamos ver se um mercado acolhe bem esta ousadia, mas que o vinho está óptimo de aroma e estrutura isso está.
Depois, veio a surpresa da tarde. Depositaram um envelope timbrado da empresa à frente de cada comensal e choveram as brincadeiras sobre se seriam os dividendos para os accionistas ou dinheiro para corromper jornalistas... Afinal, era "a prima do pombo-correio", uma pintada cozida num saco de vácuo, que foi aberto com uma tesoura ali na mesa. A acompanhar, um risotto de cépes, molho de vinho tinto e "caviar (esferificações) morno de framboesas.
Serviu-se a nova colheita do Quinta da Bacalhôa tinto de 2004, sempre fiel à fórmula com um quarto de século: 90% cabernet sauvignon e 10% de merlot. De realçar a inteligência do produtor em guardar o vinho um ano em garrafa antes de o pôr à venda.
Outra surpresa foi a volta do branco Quinta da Bacalhôa à mesa, agora para acompanhar um raviolo de lechal e lagostim com moleja de vitela e gelado de foie gras com N2, ou seja, gelificado com azoto líquido e muita fumarada. Apesar de, ao ler- -se o nome do prato, este pareça algo confuso, a verdade é que cada um dos muitos ingredientes tinha o sabor bem nítido e as texturas no ponto (um bom exemplo foi o lagostim, lá no meio do raviolo, a sentir-se no dente o óptimo ponto de cozedura).
Em termos de casamento com o vinho foi sensacional, nomeadamente com o foie gras, que mesmo azotado mostrava a sua gordura. Uma prova de versatilidade gastronómica que favoreceu este novo vinho branco que vem para ficar.
No fim, logo antes da sobremesa, mais fumarada, desta vez uma infusão de canela e moscatel depositada em várias travessas com algas e azoto líquido que deram à extensa mesa um aspecto de palco de concerto de rock dos anos 70. Mas havia um sentido gastronómico, já que o cheiro combinava com a doçaria conventual servida que trazia ainda uma gelatinização (com agar-agar) de moscatel, na forma de "esparguete", um "clássico de vanguarda" de Albert Adrià, irmão de Ferran e responsável pelos doces do El Bulli.
Além da forma gasosa e da forma sólida, o moscatel típico da península de Setúbal chegou à mesa sob a forma líquida, numa garrafa de Moscatel Superior 20 Anos, de 1983. A maior parte foi engarrafada em 1988 e os poucos barris restantes só agora. Uma óptima forma de concluir uma refeição que mostrou como a cozinha mais moderna também pode fazer brilhar os bons vinhos.
Duarte Calvão
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