domingo

24 horas na vida de um submarino que navega há quarenta anos

"Jornal de Notícias", 8 de Outubro de 2007

Numa qualquer Marinha da OTAN, o lugar do submarino "Barracuda" seria, quando muito, no museu, mas não em Portugal, onde este navio, que navega há 40 anos, tem que ser mantido no mar até à chegada dos dois novos submarinos, em 2010. O JN embarcou durante 24 horas, a partir de Sesimbra, no "Barracuda" e confirmou que nada há que se compare às duras condições de vida que se vivem a bordo.
Ali convivem diariamente 54 homens, num espaço exíguo, dias e dias sem ver a luz do Sol. A mudança entre o dia e a noite substituída pela luz vermelha que se acende quando oficialmente o Sol desaparece na superfície. "Com os novos submarinos as condições vão melhorar", sustenta o comandante do navio, o capitão-tenente Mamede Alves. Ou melhor, já se pode, por exemplo, tomar banho, mesmo que apenas de dois em dois dias.
Para quem entra no "Barracuda" o primeiro choque é o cheiro uma mistura de óleos, combustível, corpos que não vêem água há dias e dias, o ar rarefeito que concentra os odores. E para quem sai são os que estão à superfície que notam a a diferença. Inevitavelmente.
É uma arma pura, o "Barracuda", onde tudo é sacrificado à eficácia no combate, à discrição e ao silêncio, pois não obstante os 40 anos deste navio os princípios mantêm-se na guerra submarina.
Desce-se a torre e o submarino começa a mergulhar, à ordem, a água entra e a pressão lá fora, nas águas negras, vai aumentando gradualmente.
Há um silêncio quase mortal e a guarnição vai desenvolvendo as tarefas com uma rotina feita de muita disciplina e descontracção. "Com licença", é a frase que mais se ouve, face à exiguidade do espaço, as deslocações obrigando a manobras cuidadosas para não bater com a cabeça em qualquer manivela ou manómetro.
É meio da manhã e o cozinheiro prepara o almoço - naquele dia era bacalhau com grão e batatas - numa cozinha virada para as duas únicas e minúsculas casas de banho do navio. Numa delas, permanece uma embalagem de toalhetes. "É o nosso banho", explica um marinheiro. Há uns anos, o segredo eram os perfumes de feira, usados aos litros, vencidos pelos mais modernos "dodots".
O submarino vai continuando a mergulhar até chegar aos 200 metros, o manómetro a indicar a profundidade e as anteparas das portas a torcerem pela pressão. A segurança está garantida, mas a idade do "Barracuda" já não lhe permite fazer isto muitas vezes, que a resistência dos materiais tem limites, mas ninguém liga muito a não ser os jornalistas. Na sala de comando, os operadores de sonar escutam os sons que vêm das profundidades.
O navio vai regressando à superfície até aos 12 metros, para renovar o ar. O periscópio sobe e divisa-se Sesimbra. As horas passam e o cansaço chega, com os homens a rodarem por escala nas mesmas camas, nos mesmos colchões. Tem que ser assim.
Passaram 24 horas, o navio está à tona de água. As escotilhas são abertas. Por fim, o ar fresco para nós, que a guarnição prossegue a missão.


Carlos Varela

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