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Foi Você que pediu um topo de gama?

Jornal “Diário de Notícias”, 7 de Novembro de 2006

Pode uma empresa com a tradição e a fama da José Maria da Fonseca (JMF) não ter um "topo de gama"? Será que deter marcas conhecidíssimas dos portugueses como o Periquita ou o BSE ou o Pasmados, para já não falar dos moscatéis, é suficiente para garantir um lugar de prestígio no mundo dos vinhos portugueses? A resposta não é fácil, porque há quem preze a consistência e as boas relações qualidade/preço e outros há que só se deixam impressionar com os "grandes vinhos", de preço elevado, para serem bebidos em ocasiões especiais. Ao que parece, a JMF decidiu resolver a questão há cerca de dois anos, quando criou a marca Hexagon, da colheita de 2000, só vendida em garrafas magnum (1,5 l), o que asseguraria melhor envelhecimento do que em garrafa normal de 0,75 l. Porém, apesar de ter sido apresentado como o "topo de gama" entre as muitas marcas que a empresa possui, o vinho ficou aquém das expectativas, embora ainda possa vir a ser beneficiado pelo tempo.
Agora, a JMF acaba de lançar o Hexagon 2003 e é notório o salto de qualidade que o vinho deu, estando desta vez também disponível em garrafas de 0,75 l. Num jantar de apresentação à imprensa, o enólogo Domingos Soares Franco (que, juntamente com o irmão, António, representa a sexta geração da família a conduzir os destinos da JMF) admitiu que "corrigiu a mão" e, de facto, apesar de estagiar um ano em meias pipas novas de carvalho francês, o Hexagon 2003 apresenta a madeira muito bem integrada, sem ocultar nada da sua complexidade e elegância. Esta afinação poderá ter ocorrido também nos lotes das seis castas utilizadas (que justificam o nome do vinho), num processo que Domingos Soares Franco promete ter continuidade na já prevista colheita de 2005.
À boa receptividade que o vinho obteve não foi certamente alheio o óptimo jantar que o chefe Fausto Airoldi (restaurante Pragma, Casino Lisboa) preparou especialmente na adega da JMF em Azeitão. E que começaria com uma surpresa. um novo branco Verdelho, que Domingos Soares Franco integrou na série da sua Colecção Privada. A casta é a mesma que se usa na região espanhola de Rueda, mas foi a sua expressão nos vinhos australianos que impressionou o enólogo. Exuberante no nariz, um pouco curto na boca, este verdelho acompanhou os três primeiros pratos: bombom de foie gras com geleia de moscatel de Setúbal e flor de sal, um escabeche de perdiz com gema de ovo a baixa temperatura, espesso de vinagre de cidra e um risotto de baunilha com carabineiro suado à moda de Peniche e pack choy. Três pratos soberbos que demonstram o grande nível técnico de Fausto Airoldi, que, mesmo fora da sua cozinha, conseguiu um domínio absoluto sobre tempos de cozedura e equilíbrio de ingredientes.
O mesmo aliás aconteceria com o prato de carne que acompanhou o Hexagon, um filete de veado em crosta de citrinos com salteado de batata, castanhas e cebolinhas caramelizadas, legumes verdes da época ao vapor. Para terminar, outro membro da Colecção Provada, um moscatel de Setúbal de 2000, que utiliza armagnac, para fazer frente a um bolo de chocolate sem glúten sobre praliné de azeitona preta com gelado de pimenta selvagem de Madagáscar e ginjas tépidas em seu xarope.
Uma refeição memorável para celebrar um vinho que, esperemos, marcará a entrada definitiva da JMF nos tais "topo de gama", dando à região da península de Setúbal mais uma marca de grande prestígio. E que, segundo o enólogo, envelhecerá bem nos próximos 15 anos.
Duarte Calvão

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