quarta-feira

Passar pela Arrábida em férias

Jornal “Diário de Notícias”, 8 de Agosto de 2006

Miguel e Rodrigo sobem a ladeira que vai do convento ao cimo da serra e procuram um novo trilho para o regresso a Azeitão. Ainda não é meio-dia e já levam uma hora e meia de caminho. "Estamos a ver se fazemos melhor tempo para lá." Vão equipados conforme as regras de um caminheiro actual, mas não chega para enfrentar os 40 graus que dizem estar na Arrábida. Não há termómetro, mas são altos os indicadores que medem a sede e o suor.
São do Barreiro, estão a passar férias em Vila Nogueira de Azeitão e sempre que podem vão para a Arrábida. Caminhar ou fazer escalada no paredão entre a praia do Creio e o Portinho. Rodrigo fala do silêncio, do cantar dos pássaros que se ouve em contraste com o ruído que vem da praia. Miguel diz que se vêem raposas na mata. Pisam a estrada onde Pedro escreveu que ama Rosa e passa por eles muita gente de carro. Um grupo de ciclistas de Setúbal faz uma pausa no reconhecimento da serra para uma prova no próximo fim-de-semana, mas Miguel e Rodrigo são os únicos caminhantes que se avistam numa Arrábida cheia junto ao mar.
Cortada ao trânsito a estrada entre o Outão e o Portinho, a multidão fixa-se nas praias mais próximas de Setúbal. No parque de merendas não há sombra que sobre e há quem durma em cima de uma manta, apesar do barulho do gerador no bar onde há filas para uma água que fica mesmo ao lado, da criança que chora porque não foi com as outras brincar na água do rio que corre verde, do cão que ladra a quem não conhece, e não conhece quase ninguém. É hora de almoço e cheira a frango assado e a sardinha. Carne e peixe assam no mesmo assador e ninguém protesta com a mistura. No lavadouro, tão ou mais comunitário, lavam-se tomates para a salada e a louça de quem já almoçou. De cima, isso não se adivinha. Apenas se sabe da multidão que ocupou até as três ilhas em frente, formadas na maré vazia e sõ acessíveis de barco. De cima, do sítio onde passam os caminheiros e pára agora uma roulotte, vê-se a serra ao domingo, um serpentear de carros que se dilui à medida que a estrada avança para oeste e as praias vão ficando menos acessíveis a quem vai de quatro rodas.
É domingo na Arrábida. Cá em baixo, há gente de calções, de fato de mergulho e fugitivos de um casamento em Azeitão. Estacionaram o Mercedes enfeitado de tule e seguem a pé para ver o mar do Portinho. Vão de gravata e de cetim.

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